Dom Casmurro - Edição, introdução, guia de leitura, textos de capa
Contracapa
- Publicado pela primeira vez em 1900, Dom Casmurro é o romance mais
famoso e polêmico de Machado de Assis. Ambientado no Rio de Janeiro do século
XIX, é narrado por seu protagonista: o Dom Casmurro, um velho solitário e
frustrado que, em virtude de sua “simpatia”, recebe esse apelido de um
conhecido.
O personagem
busca, por meio da narrativa, rememorar e compreender fatos do seu passado:
principalmente os que envolvem uma mulher: Capitu, a personagem mais intrigante
e misteriosa da literatura brasileira.
A polêmica
toda se centraliza em uma dúvida: Capitu é ou não culpada de adultério? Os
fatos até podem indicar que sim, mas o leitor não pode deixar de atentar para
um fato: Bento Santiago – o Dom Casmurro –, além de narrador, é advogado. Não
teria ele todos os atributos intelectuais para envenenar a narrativa, de modo a
convencer o leitor a condenar Capitu?
Obra lida no
mundo todo por sua genialidade não pode deixar de ser deliciada pelo leitor
brasileiro.
Orelha da
contracapa - Órfão, pobre, mulato, gago e doente em pleno século XIX,
Machado de Assis, apesar das dificuldades, foi tipógrafo, comentarista, jornalista
e, como escritor, tornou-se um inegável prodígio da Literatura Brasileira.
Autor de
vasta obra entre praticamente todos os gêneros, foi no romance e no conto que
mais se destacou. Com seu estilo conciso, sua ironia, seu humor e com a análise
psicológica dos seus personagens, Machado de Assis inaugurou o Realismo no
Brasil e foi o autor mais importante do estilo em nosso país.
Orelha da
capa - Os críticos estavam interessados em buscar a verdade sobre Capitu,
ou a impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu, quando a única verdade a
ser buscada é a de Dom Casmurro. Silviano Santiago
Dentro do
universo machadiano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou
verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária
ou real, ela destrói sua casa e a sua vida.
Antônio Cândido
Um homem
inteligente, sem dúvida, mas simples, que desde rapazinho se deixa iludir pela
moça que ainda menina amara, que o enfeitiçara com a sua faceirice calculada,
com a sua profunda ciência congênita de dissimulação, a quem ele se dera com
todo ardor compatível com o seu temperamento pacato. José Veríssimo
Até você,
cara - o enigma de Capitu? Essa, não: Capitu inocente? Começa que enigma não
há: o livro, de 1900, foi publicado em vida do autor - e até sua morte, oito
anos depois, um único leitor ou critico negou o adultério? Dalton Trevisan
Quem fica
tiririca, e com toda a razão, com essa história mal contada, e tão mal contada
que desmente o próprio Machado de Assis, é o Dalton Trevisan (...) Dar o
Bentinho como o “nosso Otelo” é pura fantasia. Bestialógico mesmo. Otto Lara
Resende
REALISMO -
O Realismo foi um movimento literário que se iniciou na Europa, na segunda
metade do século XIX, com a publicação do romance Madame Bovary, de
Gustave Flaubert. Fazendo oposição ao idealismo do movimento romântico, os
realistas concebiam os fatos de forma mais objetiva e fiel à vida real. Assim,
o romance deixa de ter a função de distrair e entreter, como boa parte da
produção folhetinesca do Romantismo, e toma nova importância: mostrar a
realidade, diagnosticar as patologias humanas e sociais, apontar a corrupção e
os desvios de caráter de toda a sociedade.
Contexto histórico - A partir da segunda metade do século
XIX, a Europa passa por grandes e significativas mudanças. Muitas delas
responsáveis pela constituição das sociedades ocidentais de hoje.
A Burguesia
começa a, definitivamente, tomar espaço. Com isso, os interesses burgueses,
industriais e materialistas passam a imperar; as cidades industriais se
desenvolvem e o grande contingente de operários que nelas passa a viver e
trabalhar revolta-se; agitações políticas espalham-se pelo continente.
Ao mesmo
tempo, a ciência – sobretudo a natural – passa por um desenvolvimento tão
intenso que, com seus métodos de experimentação e observação da realidade, se
torna a única apta a explicar o mundo.
Influências
- De acordo com esse contexto, algumas teorias, além de marcar a época,
influenciaram o surgimento e a constituição dos ideais realistas. Dentre elas,
destacamos:
- o Positivismo
– teoria segundo a qual apenas por meio da experiência se chega à “verdade”. Um
de seus defensores foi Auguste Comte, pensador e sociólogo francês – e
considerado criador da Sociologia – que defendia que a análise social deveria
se basear nos métodos positivos adotados por outras ciências: como a
observação, a comparação e a experimentação.
- o Darwinismo
– como ficou conhecida a teoria da seleção natural, segundo a qual apenas os
mais aptos e fortes de cada espécie conseguiriam sobreviver. Foi o cientista
natural inglês Charles Darwin – que chocou o mundo com o fruto de suas
pesquisas (e até hoje é alvo de polêmicas) – que, com a publicação da obra A
origem das espécies, embasou essa teoria. Para o Realismo, a consequência
dessa corrente filosófica é a visão do homem como um animal (que, como outras
espécies, evoluiu), em detrimento da visão espiritualizada do Romantismo.
- o Determinismo
– teoria segundo a qual o homem é condicionado pelos fenômenos que vivenciou,
passando a ser deles consequência. Assim, fatores como o meio social e a
herança genética explicam suas decisões e comportamentos.
O REALISMO
DE MACHADO DE ASSIS
Para os
adeptos do movimento realista, a sociedade estava cheia de problemas que
precisavam ser apontados (de forma objetiva e verossímil, por isso, através da
ciência) para que pudessem ser resolvidos. E esse era o papel dos realistas,
diagnosticar, mostrar o que – verdadeiramente – acontecia, sem as idealizações
dos românticos. No entanto, cada autor
enfocou e desenvolveu esses princípios a sua maneira. Aluísio Azevedo focou nas
patologias sociais, explicadas sob a ótica determinista; Eça de Queirós, na
hipocrisia da sociedade e dos seus papéis. Machado de Assis, que inaugurou o
Realismo no Brasil em 1881, com Memórias Póstumas de Brás Cubas, criou um
estilo completamente novo e próprio com base nesses preceitos. O cientificismo
do movimento tomou forma nas suas obras por meio da análise psicológica; a
crítica à sociedade desenvolveu-se com base nos indivíduos que a constituem: os
homens, por isso a análise da constituição moral do ser humano.
SOBRE DOM
CASMURRO – A QUESTÃO INDECIFRÁVEL:
HOUVE ADULTÉRIO? Com o enredo iniciado pelo final e desenvolvido em
flash-back,
Dom Casmurro foi publicado pela primeira vez em 1900. O título é o
apelido que Bento Santiago, o protagonista, recebeu, sarcasticamente, de um
conhecido que se sentiu desrespeitado por sua falta de disposição em ouvir seus
versos. Assim, o apelido tornou-se motivo de piada, e Bento acabou por
aceitá-lo, afinal, combinava com a sua personalidade.
[1]
Dom Casmurro, velho solitário e frustrado com a vida, busca por meio da
narrativa rememorar e compreender fatos do passado: o romance com Capitu, o
período no seminário, o relacionamento com os familiares e amigos, o casamento
desfeito – enfim aquilo que transformou o menino – puro e ingênuo – no velho –
solitário e infeliz.
A vida de Bento transcorre sem grandes incidentes até uma tarde, em 1857,
quando descobre a intenção da mãe em fazê-lo padre, em virtude de uma promessa
que fez ainda grávida, por ter perdido o primeiro filho. Surpreso, Bento
conta tudo a Capitu – vizinha, amiga e primeiro e único amor de sua vida. O
conflito os aproxima ainda mais, e eles juram no futuro se casar.
Muitos anos se passam até que o casamento possa efetivamente ocorrer.
Nesse intervalo, Bento passa por diversos acessos de fúria, por ciúmes da
amada. E, depois de casado, ele se mostra cada vez mais ciumento, e isso se
agrava ainda mais com o nascimento do filho, que se torna a cada dia, segundo
ele, mais parecido com seu melhor amigo: Escobar.
Com a publicação da obra, grande polêmica é criada em torno de Capitu.
Teria ela dado razões para a desconfiança do marido? Ou teria o ciúme do marido
desencadeado o adultério? Ou Capitu era, desde sempre, inocente, e tudo não
passou de delírios da mente doentia de Bento?
Por um lado, alguns fatos evidenciam a efetivação do adultério: como a
personalidade de Capitu – os olhares e tudo o que causava os ciúmes do marido –
e a semelhança do filho com o amigo, Escobar. Em contrapartida, Capitu não tem
defesa: toda a história é narrada por seu marido ciumento.
Eis o caminho para se compreender Dom Casmurro. A narrativa não
segue uma ordem linear, cronológica, e sim psicológica, ou seja, o mais
importante – a alma da obra – não está propriamente nos fatos, mas na
constituição psicológica e moral de seus personagens. Machado criou uma
narrativa completamente unilateral: só conhecemos a visão de mundo de Bento, os
fatos seguem a sua perspectiva, e o próprio enredo é secundário em relação à
análise do personagem.
Além disso, um detalhe torna a obra de Machado de Assis ainda mais
intrigante e genial: Bento Santiago é advogado, ou seja, possui todos atributos
formais para narrar os fatos do modo como lhe convém, ou como melhor convence
seu leitor. Assim, como condenar alguém sem conhecer a sua versão dos fatos?
[1] Casmurro significa
calado, metido consigo.
Taís Gasparetti Santos
ATIVIDADE
1-
Dom Casmurro é a história de um homem que supõe que sua esposa o
traiu com o melhor amigo. Primeiramente, o narrador revira o passado mais
remoto (o da juventude) em busca de provas que justifiquem a suposta tendência
de Capitu à traição. Depois, no passado mais próximo (o da vida adulta), ele
encontra e apresenta as provas, que entende como definitivas, do adultério. E,
em função desta certeza, destrói o casamento.
a) Na sua opinião, Bento Santiago
é um narrador totalmente insuspeito. Por quê? Relembre as desconfianças do
personagem em relação às ações de Capitu, na primeira parte do romance, que
corresponde ao namoro juvenil. Quais as cenas onde isso fica mais visível?
b) Aponte as
provas principais que Bento julga dispor, já depois de casado, do adultério
(hipotético ou real) de Capitu.
2- Em sua exposição, Bento afirma o adultério, mas a
narrativa apresenta tantos paradoxos e contradições que nada se esclarece
totalmente para o leitor. Todos os elementos que compõem a acusação possuem
aspectos nebulosos e dúbios. Há sempre uma forte relativização em tudo o que o
narrador afirma, pois cada registro da traição remete à possibilidade
contrária. É como se houvesse dois textos na composição do romance. No
primeiro, Bento, o narrador, assegura ao leitor a existência do adultério. No
segundo texto – menos explícito, e nem sempre perceptível– ele registra os seus
ciúmes doentios e quase paranóicos. No primeiro texto, Capitu traiu. No
segundo, provavelmente não.
a) Você concorda com aquilo que Bento declara a respeito
do “crime” de Capitu ou com o aquilo ele deixa subentendido, isto é, a
possibilidade de inocência da esposa?
b) Você
seria capaz de identificar no romance passagens que evidenciam esta duplicidade
do narrador, ou seja, uma revelação “definitiva” da traição sempre seguida, ou
mesmo antecipada, por uma referência que coloca em xeque as suas próprias
convicções?
3- A ambigüidade
do romance está centrada também no confronto entre a aparência e a essência da
alma humana. O que, em dado momento, é apresentado como verdade pode ser apenas
uma ilusão, um engano de ótica. O mundo concreto é movediço e não
tem um único sentido, uma única explicação. Por não conseguir perceber a
interioridade dos demais, os indivíduos se vêem, muitas vezes, conduzidos por
versões equivocadas a respeito das intenções e das ações dos outros.
a)
Releia o capítulo CXXIV para perceber com clareza o que se afirmou acima.
b)
Assinale algum outro exemplo no romance que confirme este jogo entre aparência
e essência.
c)
Comente o texto abaixo do crítico Antonio Candido:
Não importa muito se a convicção de Bento
seja falsa ou verdadeira, porque a conseqüência é exatamente a mesma nos dois
casos: imaginária ou real, ela destrói a sua casa e a sua vida.
4-
O crítico Flávio Loureiro Chaves afirma que o tema de Dom Casmurro
não é o adultério, e sim que este é apenas um pretexto para atingir
numa região mais profunda das desgraças humanas, o problema do ciúme,
entrevisto como deformação patológica. Segundo o mesmo crítico, Dom
Casmurro é o romance da dúvida porque embora o personagem expresse a
convicção de ter desvendado um crime, o acúmulo de ambigüidades no texto mantém
a incerteza e o caráter nebuloso do acontecido.
a) Você concorda com a opinião do referido crítico? Por quê?
b)-
Releia o capítulo CXXXV, onde Bento Santiago vai assistir a uma representação
de Otelo. Influenciado pelo astucioso Iago, o mouro Otelo vive o
tormento do ciúme sem qualquer base real, pois sua esposa Desdêmona o ama. Por
se considerar vítima de uma traição, Otelo mata a mulher e depois se suicida.
Qual é a conclusão que Bento tira da peça?
c)-
Você acha que o sofrimento do narrador é real, mesmo que a causa do mesmo possa
ser imaginária? Exemplifique com alguma passagem do romance.
5- Há duas tendências interpretativas dominantes sobre a intensidade e a
brutalidade dos ciúmes do protagonista. Uma, mais sociológica, aponta
para o caráter de senhor patriarcal de Bento Santiago, que veria a mulher como
propriedade sua; outra, mais psicológica, atribui-lhe uma insegurança
doentia que o leva a desconfiar de todo e de todos.
a)
Na sua opinião, Bento age assim por causa do sentimento de posse nascido de sua
visão patriarcalista? Ou a origem deste sentimento que o infelicita vem de uma
personalidade enferma? Ou o seu ciúme é compreensível (e natural) face à paixão
extrema que nutre por Capitu? Ou, ainda, a sua exasperação resulta da soma de
todos estes fatores?
b) Supondo que Capitu houvesse traído efetivamente o seu
marido, você julga que as decisões de Bento e sua frieza sentimental (que o
leva a comemorar o desaparecimento das testemunhas do suposto crime) não seriam
– do ponto de vista ético – desproporcionais à gravidade de uma adultério? Ou,
em síntese, a violência destruidora do protagonista não seria muito mais
condenável do que a eventual traição de Capitu?
6- Como você deve ter percebido, as reações do
protagonista frente aos seus dramas existenciais são diferenciados na fase
adolescente e na maturidade. Sua inércia juvenil parece traduzir uma fraqueza
de vontade e um coração subjugado pela ordem familiar conservadora. A ruptura
com este posicionamento passivo dá-se através do casamento. A partir de então,
Bento Santiago tenta, de forma desastrada, comandar a relação conjugal e
administrá-la conforme o poder outorgado aos homens. Seu poder, no entanto,
revela-se frágil e sem grandeza.
a-
Você lembra de episódios que explicitem estas diferenças no comportamento do protagonista?
b- No período juvenil, quem toma as iniciativas tanto no
relacionamento afetivo quanto nas respostas aos problemas gerais da vida? Cite
um exemplo desta conduta dominadora.
7- A personagem
Capitu é uma das maiores criações de Machado de Assis. Sua complexidade
psicológica é visível mas, ao desvendar sua personalidade, o escritor cria
mecanismos sutis que impedem a mesma de aparecer em sua totalidade,
envolvendo-a em uma aura de mistério e tendências difusas.
a-
Na sua opinião, quem é Capitu? Uma arrivista esperta? Uma moça dominada pelo
cálculo e pelo fingimento? Alguém que ama generosamente? Uma jovem que
transforma a ânsia de viver no elemento decisivo de sua história pessoal?
b-
Aponte algumas das célebres metáforas com que Machado (in)definiu
Capitu.
c- Ainda adolescente, Capitu já nos é
apresentada pelo narrador como mulher até a ponta dos dedos. Qual é o
significado desta afirmativa?
d-
Como Capitu reage às suspeitas de Bento e a decisão deste em terminar com o
casamento?
e- No último capítulo, o narrador escreve que a Capitu
menina estava dentro da adulta, como a fruta dentro da casca. O que ele
quer dizer com isso?